terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

110 V ou 220 V ?

Essa é uma dúvida que sempre temos na hora de comprar uma ferramenta: “Compro 110 ou 220 V?”
Já ouvi muita coisa a respeito e as pessoas dizem as mais variadas coisas, umas corretas do ponto de vista técnico, outras nem tanto...

Por isso resolvi escrever esse post e esclarecer essa dúvida. O texto acabou ficando mais extenso do que eu pretendia, mas acho que consegui abordar o assunto de uma forma simples e fazendo paralelos com fenômenos conhecidos para que qualquer pessoa, mesmo sem conhecimentos de elétrica, possa entender.

Na verdade, os conceitos mostrados aqui são uma aplicação prática daquilo que ficou esquecido das aulas de física do colegial (agora ensino médio): o professor ensinava e a gente não sabia para que iria usar isso um dia na vida.

A abordagem feita aqui é técnica, mas de uma forma simplificada, sem fórmulas, sem números... apenas conceitos.

 

MITOS E VERDADES

“eu só compro 220 porque o motor é mais forte...”

É comum ouvir dizer isso. Será verdade? Vejamos.
As ferramentas elétricas que possuem versões 110 e 220 se tiverem motores com a mesma potência elas funcionarão de maneira igual (desde que adequadamente ligadas à rede elétrica). Não haverá diferença entre a de 110 e a de 220V.

Mas então por quê profissionais dizem que “a 220 é mais forte”?

Duas podem ser as razões:
  1. Às vezes, por uma questão de projeto, a máquina 220 é realmente mais forte que a 110, mas porque os motores são diferentes e o de 220 acabou sendo produzido com maior potência. Isso é mais comum quando se trata de máquinas de maior potência (acima de 1.500W). Podemos tomar como exemplo a tupia Makita RP2301FC. Segundo as especificações do fabricante o modelo 220V possui potência de 2.100W e o 110 possui apenas 1.650W. Isso se dá porque motores com maior potência exigirão muito da rede na hora partida e a maioria das instalações elétricas residenciais não são dimensionadas para isso. Na partida de um motor há um pico corrente que pode chegar a 8 vezes a sua corrente nominal.
  2. A outra razão, e essa é a mais comum, é que a sensação de maior potência da máquina 220 se dá devido ao seu uso na obra: para funcionar adequadamente a máquina deve ser alimentada com 110V. Entretanto, todo mundo já viu como as máquinas são ligadas nas obras: é aquele fio de 20 metros, cheio de emendas. De um lado as pontas descascadas são penduradas na “caixa de luz” ou enfiadas de qualquer jeito em uma tomada e a outra ponta é ligada a máquina em uma tomada que já caiu no chão umas cem vezes, suja, cheia de cimento e terra. Na hora que a máquina é ligada, dos 110V que saíram do barramento só chegam 90 na máquina. Então ele está ligando a máquina em 90V e não em 110! Nas mesmas condições as máquinas 220 perdem menos da sua potência original, ficando "mais fortes". 

 “eu só compro máquinas 220 porque elas consomem menos energia...”

Outro mito! A energia consumida pela máquina depende da potência do motor e não da tensão de operação. Veremos mais um pouco disso adiante.

“eu só compro máquinas 110 porque elas são mais seguras...”

Isso é verdade. Se houver algum problema e você levar um choque elétrico, é melhor levar de 110 do que de 220!

“eu só compro máquinas 220 porque assim não queima se ligar errado...”

Outra verdade. Máquinas 220V não costumam queimar se ligadas em 110V. Já o contrario.... já queimei máquinas por causa disso.


MAS AFINAL, 110 OU 220V ?

A melhor resposta para essa pergunta é: DEPENDE. Cada uma delas tem suas vantagens e desvantagens.

Máquinas 110 V

Vantagens

  • Maior facilidade de uso, pois em regiões onde a rede é de 110V as residências possuem poucas tomadas 220V (basicamente no chuveiro e torneira elétrica)
  • Maior segurança em caso de choque elétrico
Desvantagens
  • Queimam caso sejam ligadas por engano em uma tomada 220V
  • Máquinas maiores costumam ter suas versões 110V com motores menos potentes
  • Sobrecarregam mais a fiação elétrica (veremos isso adiante)

Máquinas 220 V

Vantagens

  • Não queimam se ligadas por engano em tomadas 110V. Dá para perceber que algo está errado a tempo
  • Máquinas maiores costumam ter suas versões 220V com motores mais potentes
  • Sobrecarregam menos a fiação elétrica (veremos isso adiante)
Desvantagens
  • Em caso de choque elétrico, será uma descarga de 220V!
  • Em regiões de rede 110V é mais difícil encontrar tomada 220V

O mundo ideal não existe. Ganhamos de um lado, perdemos do outro! Para complicar um pouco mais temos ainda outro aspecto: dimensionamento da rede elétrica.

Como já foi dito, motores de mesma potência consomem a mesma energia quer sejam 110V ou 220V. Isso é verdade quando medimos o consumo na máquina. Só que a nossa conta de luz é calculada com o consumo é medido no relógio que fica na entrada, as vezes muito longe do ponto de consumo. Nós pagamos aquilo que é consumido e esse consumo pode ser dividido em duas parcelas.
  • A primeira corresponde ao que efetivamente usamos para tocar nossas máquinas, iluminação etc...
  • A segunda é a energia perdida na transmissão desde o relógio até os pontos de consumo.

Essa perda é devida ao efeito Joule sob a forma de calor: a corrente elétrica quando atravessa um condutor (fio) provoca um aumento de temperatura (todo mundo já colocou a mão em um fio e percebeu que ele estava “quente”). Esse aumento de temperatura é proporcional à corrente elétrica e às características do condutor. Temos como minimizar esse efeito, mas não como evitá-lo: sempre irá ocorrer.

Esse efeito tem influência no consumo e na segurança. No consumo porque a energia dissipada sob a forma de calor passou pelo relógio e não chegou na sua máquina, ou seja: você pagou e não usou. Na segurança porque o aquecimento dos condutores pode chegar a níveis elevados a ponto de derreter o isolamento do condutor e provocar um curto-circuito.

Além da perda de energia na forma de calor há uma queda de tensão na transmissão: a tensão medida na entrada da máquina é sempre menor do que a tensão medida no relógio, fazendo com que nossos equipamentos sejam abastecidos com uma tensão inferior à tensão nominal para a qual eles foram projetados. As normas brasileiras limitam essa queda de energia em até 4% (a menos de casos especiais, como na partida de motores). Esses fenômenos são notados em nossas residências como, por exemplo, aquela piscada que dá na luz quando o motor da geladeira liga ou então na luz que fica mais fraca quando um chuveiro é ligado e volta ao normal quando terminamos o banho. São efeitos da queda de tensão devido à entrada de mais um equipamento de grande consumo no circuito.

É nessa perda que está a vantagem dos equipamentos 220V. Vamos entender.

As perdas causadas pelo efeito Joule são diretamente proporcionais à CORRENTE que circula no circuito (aumentando a corrente, aumenta-se a perda) e inversamente proporcionais à BITOLA do fio (aumentando a bitola, diminui-se a perda).

Tendo isso em mente para uma dada instalação elétrica quanto MENOR for a CORRENTE que vai circular, MENORES serão as PERDAS. Sob esse aspecto as máquinas 220V são melhores que suas correspondentes 110V (assumindo que ambas têm a mesma potência). Como a potência é diretamente proporcional ao produto da TENSÃO (V) pela CORRENTE (A), então, para uma mesma potência, quando DOBRAMOS A TENSÃO (de 110 para 220) a CORRENTE CAI PELA METADE.

A relação entre a CORRENTE e as PERDAS é maior ainda: a energia dissipada na instalação elétrica (perda) varia com o quadrado da corrente, ou seja: DOBRANDO A CORRENTE  a PERDA É MULTIPLICADA POR 4 (2²=4).


CONCLUSÃO:

"Para a mesma instalação elétrica (bitola de fio) e máquinas de mesma potência, ao dobrarmos a tensão (110 para 220V) a corrente cai pela metade e a perda de energia pelo efeito Joule cai a ¼!"

Aí você pensa: eu posso usar máquinas 110 e faço o dimensionamento da rede elétrica para suportar as cargas com as perdas dentro dos limites aceitáveis. Isso é verdade, mas uma vez fixada a corrente a outra variável que temos para mexer é na bitola dos cabos. Para diminuir a perda temos que AUMENTAR a bitola dos condutores, e isso implica em um aumento também na bitola dos eletrodutos, conexões, na capacidade dos disjuntores e tomadas. Ou seja: para a mesma potência instalada e mesma perda, a instalação elétrica para trabalhar em 110V é bem mais cara do que para trabalhar em 220V.


 MAS E AÍ? COMO ESCOLHER?

Aqui no meu Cafofo sigo algumas diretrizes na hora da compra:
  • máquinas estacionárias são ligadas em 220V. Essas máquinas normalmente possuem motores de indução e podem ser facilmente mudadas para operar em 220. Como são máquinas grandes elas têm lugar e tomadas fixos na oficina.
  • máquinas portáteis com potência acima de 2CV (1.500 W) são 220V. Essas são aquelas máquinas que têm sua versão 110V com motor de menor potência, pois é difícil encontrar máquinas com motores de mais de 1.500 W que trabalhem em 110V.
  • máquinas portáteis com potência inferior a 1.500 W são compradas na versão 110 V. Isso porque são máquinas que a gente acaba levando para fazer trabalhos fora e há uma dificuldade de liga-las em 220 V fora da oficina. Essa regra pode ser quebrada no caso de haver uma máquina em uma super oferta, mas só na versão 220 V. Aí a gente não vai perder...


COMO FAZER PARA NÃO QUEIMAR AS MÁQUINAS ?

Ter ferramentas portáteis 110 e 220 V na oficina é um problema. O ideal seria ter tudo 220 V, mas isso complica sob o aspecto de portabilidade nas cidades onde a rede é 110 V. Isso tende a acabar com a popularização das máquinas a bateria. Então, como fazer para não ligar uma máquina na tomada errada?

Esse problema se tornou crítico e de difícil solução quando da mudança do nosso padrão de tomadas  em julho/2011 (NBR 14.136). Esse padrão foi adaptado da norma internacional IEC 60.906-1, porém essa adaptação deixou de lado a diferenciação entre tomadas de 110 e 220V. A IEC prega o uso de tomadas de pinos redondos para tensões de até 250 V e pinos chatos para tensão de 110V, justamente para evitar acidentes com a ligação equivocada. Alguém, não sei por qual razão pouco técnica, deixou esse detalhe de lado.

Antes dessa norma entrar em vigor havia uma tomada usada para 220V (aquela com 3 pinos, comumente chamada de “tomada de ar condicionado”) que era uma forma de impedir a ligação equivocada. Com a entrada em vigor da norma essa tomada deixou de ser comercializada.

Eu, assim como todos os meus amigos, já queimei máquina por ligá-la na tomada errada. Isso infelizmente acontece quando estamos distraídos e trabalhando com diversas ferramentas ligadas à extensões. Fica meio bagunçado e a gente acaba fazendo besteira.

Ligar uma máquina 220 em uma tomada 110V normalmente não dá problema. A gente percebe que ela não funciona direito, está girando devagar ou fazendo barulho estranho e acaba desligando antes de estragar a máquina. O problema é ligar máquina 110 em 220 V. Ela queima antes de você perceber, pois o motor aguenta apenas poucos segundos e quando a percebemos que algo está errado ela já era!

Como algumas ferramentas portáteis 220V (comprei aproveitando oportunidades) eu faço uma marcação na ponta do cabo de cada máquina: coloco uma volta de fica isolante vermelha nas máquinas 220 V e amarela nas 110 V. As tomadas do meu Cafofo também possuem cores diferentes: as 110V são pretas e as 220V são vermelhas, além de serem identificadas com etiquetas.




AGORA A ESCOLHA É SUA !

Espero ter abordado o tema de forma abrangente para você tomar sua decisão, dando subsídios para uma decisão técnica.


Lembre-se: instalação elétrica é coisa séria. A maioria dos grandes incêndios são normalmente provocados devido a problemas elétricos. Para o correto dimensionamento da instalação elétrica da sua oficina um Engenheiro Eletricista deve ser consultado. É comum as pessoas saírem transformando um quartinho em oficina, colocando um monte de máquinas que não foram previstas no projeto e depois aparecerem problemas na instalação elétrica, como aquecimento de condutores, oscilação na rede quando uma máquina é ligada, etc. Um projeto bem feito e bem executado pode poupar problemas no futuro.



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